quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A PERDA DA LINGUAGEM

O ser humano ao longo dos anos foi perdendo aquilo chamamos de “senso do self”, ou seja, o processo desenvolvido pelo indivíduo em interação com seus semelhantes e através do qual se torna capaz de tratar a si mesmo como objeto, isto é, observar-se, considerando seu próprio comportamento do ponto de vista alheio e devido a esta perda desapareceu a linguagem de comunicados profundamente pessoais. Este é um importante aspecto da solidão vivida no mundo.

As palavras perdem o seu significado: amor, verdade, integridade, coragem, espírito, liberdade, perdão e até com o vocábulo “eu” (self). A maioria das pessoas dá as palavras conotações particulares que talvez sejam completamente diferentes das de seu vizinho. Daí muita gente evitar o uso de tais vocábulos.
Possuímos um excelente vocábulo para assuntos técnicos, segundo observou Erich Fromm, mas quando se trata de um inter-relacionament o pessoal significativo nossa linguagem torna-se pobre.
A perda da eficácia da linguagem, por estranho que pareça, é sintoma de uma época histórica conturbada.
Quando se estuda a ascensão e a queda de uma era nota-se que a linguagem é vigorosa e expressiva em determinados períodos, como o grego do século V antes de Cristo, época em que Ésquilo e Sófocles escreveram suas obras, ou o inglês elisabetano de Shakespeare e da tradução da Bíblia pelo Rei Jaime, e em outros períodos mostra-se débil, vaga e inexpressiva, como quando a cultura grega se dispersou e quase desapareceu. Penso que pesquisas poderiam demonstrar que quando uma cultura se encontra na fase histórica da evolução para a unidade, a língua reflete coesão e força; e
quando se encontra em processo de transformação, dispersão e desintegração perdem o seu vigor.

“Quando eu tinha dezoito anos, a Alemanha tinha dezoito anos”, disse Goethe, referindo-se não só ao fato de que as idéias de sua pátria estavam evoluindo para a unidade e o poder, mas que o idioma, que era seu veículo como escritor, encontrava-se no mesmo estágio.
Porque falar tanto sobre o significado das palavras quando, depois de termos aprendido a linguagem uns dos outros, temos pouco tempo e energia para nos comunicarmos?
Existem outras formas de comunicação pessoal além da palavra. Vozes dos representantes de sensibilidade de uma cultura, transmitindo significados profundamente pessoais a outros membros da mesma ou de outras sociedades, no mesmo ou em outros períodos históricos.
Encontramos nesta geração uma linguagem que não comunica. A maioria das pessoas, não compreendem praticamente coisa alguma – só conseguem comunicar-se em linguagem limitada.
Quem contempla os quadros de Rafael, Leonardo da Vinci ou Miguel Ângelo sente que a pintura lhe diz algo compreensível sobre a vida em geral e a sua própria existência em particular.
Nietzsche certa vez disse que se conhece uma pessoa pelo seu estilo, isto é, pelo padrão exclusivo que empresta unidade e singularidade as suas ações.
Qual o estilo do nosso tempo? Ao observar o ser humano em suas idas e vindas percebe-se uma tentativa desesperada de romper com a hipocrisia. Consciente ou inconscientemente procuram falar de alguma sólida realidade da auto experiência do mundo. Na busca desesperada de autenticidade, existe somente um pot-pourri de estilos.

Esse pot-pourri é um quadro revelador da desunião de nosso período. Seres humanos vazios, tão freqüentes em nossos dias, são assim como retratos sinceros da condição de nosso tempo.
Utilizam-se de diferentes linguagens para ver qual comunica, mas não encontram um idioma comum a todos. Em parte agem como um homem que ligasse o rádio de bordo em pleno oceano, tentando em vão encontrar a freqüência com a qual se comunicaria com o resto da humanidade. Mas permanecem espiritualmente isolados no mar-alto, e disfarçam a solidão tagarelando a respeito de coisas para as quais existe uma linguagem: campeonatos mundiais, negócios, telenovelas, shows, etc. As experiências mais profundas são abafadas e tendem assim tornarem-se cada vez mais vazios e solitários.
Se o ser humano ouvisse o que o Espírito diz não perderia o senso de sua identidade, pois aquele que não ouve tende também a perder o senso de relacionamento com a natureza. São privados não só da experiência da ligação com a natureza como também a capacidade de sentir empatia.
Seres humanos que se sentem vazios e por esta razão não têm a percepção do que seria uma resposta vital para compreender o que estão perdendo.
Talvez observem lamentosos, que embora outros se comovam com o pôr do sol, elas se sentem frias diante do espetáculo; e que embora outros achem o oceano majestoso e imponente, elas de pé nos rochedos da praia, quase nada sentem.

Observamos um estado de débil relacionamento com a vida. Se sentem interiormente vazias, tendo a impressão de que a natureza à sua volta está também vazia, seca, morta. Os rumores de aquecimento, invasões, violência – a comunicação feita por linguagem falsa conduz a uma perda de sentido e ao vácuo
Seres que perderam a capacidade para ver refletido na natureza a sua própria pessoa e estado de espírito, e relacionar-se com ela, considerando- a uma ampla e rica dimensão de sua própria experiência.
São as pessoas vazias e desocupadas que se apoderam das formas novas e mais destruidoras de superstição. O mundo torna-se desencantado, o que os deixa em desarmonia com a natureza e consigo mesmos.
É necessário a autoconsciência e preencher seus silêncios com a própria vida interior. É preciso um forte senso de identidade pessoal para estar no mundo sem ser por ele absorvido.
Compreender de maneira plena e realista, que este sistema de coisas jamais tem uma lágrima pela dor alheia, nem se importa com o que os outros pensem e que sua vida poderia ser engolida, que nunca foram amigos de ninguém e nem prometeram o que não poderiam dar. Que você poderia despedaçar-se no sopé rochoso sem que sua extinção como pessoa humana trouxesse a menor alteração às “paredes de granito”. É exatamente neste momento que sobrevirá o medo. Esta é a profunda ameaça do ”não ser”, “do nada”, que se experimenta em plena confrontação com o ser inorgânico.

Recorda-te que tu és pó em pó te hás de tornar!
Até quando fugirão à ameaça isolando a imaginação, voltando os pensamentos para detalhes corriqueiros como o preparar do almoço: “Marta, Marta, você se encontra tão preocupada cm todos esses serviços caseiros! Há realmente apenas uma coisa necessária com que devemos nos preocupar. E Maria descobriu o que é, e ninguém poderá tirar isso dela!” Lc 10.42.
Se protegem do terror da ameaça transformando o mar numa pessoa, que não lhes causaria mal, ou refugiam-se na crença em uma providencia individual, afirmando a si mesmos: “Israel, este é o deus que tirou você do Egito!” (referindo-se ao bezerro de ouro – Êxodo 32).
É necessário muita coragem para relacionar-se com este mundo de maneira correta. Mas afirmar a própria identidade contra este sistema de coisas produz por sua vez um “self” mais vigoroso: “Moisés viu que o povo estava desenfreado, pois Arão o deixou completamente solto. E viu Moisés que isso só podia deixar o povo de Deus envergonhado diante dos inimigos. Por isso ficou de pé na entrada do acampamento e disse: “Quem é do Senhor, venha aqui”. Logo foram para perto dele os filhos de Levi” (Ex. 32.25-26).
Acompanhamos o ser humano perdendo-se de si mesmo. Na sociedade atual pouco vemos que seja nosso – isto é sinal de personalidade débil e empobrecida.
Pense nisso!

Não pare de estudar. Descanse. Durma. Mas, depois, continue.

Regina Lopes

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